29.julho.2013 08:00:28
Entrevista com o papa Francisco: “Quem sou eu para julgar os gays”
Sem tabus, pontífice respondeu por mais de uma hora perguntas de
jornalistas durante o voo entre Rio e Roma
ROMA – A Igreja não pode julgar os gays por sua opção sexual e nem
marginalizá-los. O alerta é do papa Francisco que, quebrando um verdadeiro tabu,
deixa claro que estende sua mão a esse segmento da sociedade. “Se uma pessoa é
gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-lo”, declarou. “O
catecismo da Igreja explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser
marginalizados por causa disso, mas devem ser integrados na sociedade”,
insistiu.
As declarações foram dadas em uma entrevista concedida pelo papa aos
jornalistas que o acompanharam no avião, entre eles a reportagem do
Estado. Na conversa, a garantia do argentino de que o Vaticano
tem como papa uma “pessoa normal”, um “pecador” e que vive junto com os demais
religiosos porque morar no Palácio Apostólico geraria problemas psicológicos
para ele.
Trinta minutos depois de o voo decolar do Rio, o papa deixou sua primeira
classe e cumpriu uma promessa que havia feito no voo de ida de Roma ao Brasil:
responderia a perguntas dos jornalistas. Mas poucos imaginaram que a conversa
duraria quase uma hora e meia.
Para o papa, o problema não é a existência do “lobby gay” dentro da Igreja,
mas de qualquer lobby. “O problema não é ter essa tendência. Devemos ser como
irmãos. O problema é o lobby dessas tendências de pessoas gananciosas, lobby
político, maçons e tantos outros lobbies. Esse é o principal problema”,
disse.
Pela primeira vez, Francisco ainda deixa claro que, para ele, abusos sexuais
contra menores por parte de religiosos não são apenas pecados, mas crimes que
devem ser julgados.
Mas se a posição sobre os gays e sobre o abuso sexual pode representar uma
mudança, Francisco deixa claro que não haverá uma nova opinião do Vaticano sobre
a presença das mulheres na Igreja, sobre o aborto ou sobre o casamento
homossexual.
O papa aproveitou a conversa para anunciar que vai exigir transparência e
honestidade no Vaticano e garantiu que sua reforma vai continuar. “Esses
escândalos fazem muito mal”, disse.
Antes de responder às perguntas, ele elogiou o “grande coração dos
brasileiros”, disse que a viagem “fez bem para sua espiritualidade” e ainda
disse que a organização do evento foi excelente. “Parecia um cronômetro”. Eis os
principais trechos da entrevista:
Nestes quatro meses de pontificado, o senhor criou várias comissões.
Que tipo de reforma do Vaticano o sr. tem em mente? O sr. quer suprimir o Banco
do Vaticano?
Papa Francisco – Os passos que eu fui dando nestes quatro meses e meio vão em
duas vertentes. O conteúdo do que quero fazer vem da congregação dos cardeais.
Me lembro que os cardeais pediam muitas coisas para o novo papa, antes do
conclave. Lembro-me que tinha muita coisa. Por exemplo, a comissão de oito
cardeais, a importância de ter uma consulta de alguém de fora, e não uma
consulta apenas interna. Isso vai na linha do amadurecimento da sinonalidade e
do primado. Os vários episcopados do mundo vão se expressando e muitas propostas
foram feitas, como a reforma da secretaria dos sínodos, para que a comissão
sinodal tenha característica consultativa, como o consistório cardinalício com
temáticas específicas, como a canonização. A vertente dos conteúdos vem daí. A
segunda é a oportunidade. A formação da primeira comissão não me custou mais de
um mês. Já a parte econômica, eu pensava em tratar no ano que vem, porque não é
a mais importante. Mas a agenda mudou devido a circunstâncias que vocês conhecem
que são domínio público. O primeiro é o problema do Ior (Banco do Vaticano),
como encaminhá-lo, como reformá-lo, como sanear o que há de ser sanado. E essa
foi então a primeira comissão. Depois tivemos a comissão dos 15 cardeais que se
ocupam dos assuntos econômicos da Santa Sé. E por isso decidimos fazer uma
comissão para toda a economia da Santa Sé, uma única comissão de referência. Se
notou que o problema econômico estava fora da agenda. Mas estas coisas
acontecem. Quando estamos no governo, vamos por um lado, mas se chutam e fazem
um golaço por outro lado, temos que atacar. A vida é assim. Eu não sei como o
Ior vai ficar. Alguns acham melhor que seja um banco, outros que deveria ser um
fundo, uma instituição de ajuda. Eu não sei. Eu confio no trabalho das pessoas
que estão trabalhando sobre isso. O presidente do Ior permanece, o tesoureiro
também, enquanto o diretor e o vice-diretor pediram demissão. Não sei como vai
terminar essa história. E isso é bom. Não somos máquinas. Temos que achar o
melhor. Mas o fato é que, seja o que for, tem que ser feita com transparência e
honestidade.
Uma fotografia do sr. deu a volta ao mundo, quando o sr. desceu as
escadas do helicóptero em Roma para embarcar para o Brasil carregando sua mala
preta. Reportagens levantaram hipóteses também sobre o conteúdo da mala. Porque
o sr. saiu carregando a maleta preta e não um de seus colaboradores? E o sr.
poderia dizer o que tinha dentro?
Papa Francisco – Não tinha a chave da bomba atômica. Eu sempre fiz isso.
Quando viajo, levo minhas coisas. E dentro o que tem? Um barbeador, um breviário
(livro de liturgia), uma agenda, tinha um livro para ler, sobre Santa Terezinha.
Sou devoto de Santa Terezinha. Eu sempre levei eu mesmo minha maleta. É normal.
Nós temos que ser normais. É um pouco estranho isso que você me diz que a foto
deu a volta ao mundo. Mas temos de nos habituar a sermos normais, à normalidade
da vida.
Por que o senhor pede tanto para que rezem pelo senhor ? Não é
habitual ouvir de um papa que peça que rezem por ele.
Papa Francisco – Sempre pedi isso. Quando era padre pedia, mas nem tanto e
nem tão frequentemente. Comecei a pedir mais frequentemente quando passei a ser
bispo. Porque eu sinto que se o Senhor não ajuda nesse trabalho de ajudar aos
outros, não se pode realizá-lo. Preciso da ajuda do Senhor. Eu de verdade me
sinto com tantos limites, tantos problemas, e também pecador. Peço à Nossa
Senhora que reze por mim. É um hábito, mas que vem da necessidade. Eu sinto que
devo pedir. Não sei…
Na busca por fazer as mudanças no Vaticano, o sr. disse que existem
muitos santos que trabalham e outros um pouco menos santos. O sr. enfrenta
resistências a essa sua vontade de mudar as coisas no Vaticano? O sr. vive num
ambiente muito austero, de Santa Marta. Os seus colaboradores também vivem essa
austeridade? Isso é algo apenas do sr. ou da comunidade?
Papa Francisco – As mudanças vêm de duas vertentes: do que pediram os
cardeais e também o que vem da minha personalidade. Você falou que eu fico na
Santa Marta. Eu não poderia viver sozinho no Palácio, que não é luxuoso. O
apartamento pontifício é grande, mas não é luxuoso. Mas eu não posso viver
sozinho. Preciso de gente, falar com gente, trabalhar com as pessoas. Porque é
que quando os meninos da escola jesuíta me perguntaram se eu estava aqui pela
austeridade e pobreza, eu respondi: não, não. É por motivos psiquiátricos.
Psicologicamente, não posso. Cada um deve levar adiante sua vida, seguir seu
modo de vida. Os cardeais que trabalham na Cúria não vivem como ricos. Têm
apartamentos pequenos. São austeros. Os que eu conheço têm apartamentos
pequenos. Cada um tem que viver como o senhor disse que tem que viver. A
austeridade é necessária para todos. Trabalhamos a serviço da Igreja. É verdade
que há sacerdotes e padres santos, gente que prega, que trabalha tanto, que
trabalha e vai aos pobres, se preocupam em garantir que os pobres comam. Tem
santos na Cúria. Também tem alguns que não são muito santos. E são estes que
fazem mais barulho. Faz mais barulho uma árvore que cai do que uma floresta que
nasce. Isso me dói. Porque são alguns que causam escândalos. Temos o monsenhor
que foi para a cadeia (por lavagem de dinheiro). São escândalos que fazem mal.
Uma coisa que nunca disse : a Cúria deveria ter o nível que tinham os velhos
padres, pessoas que trabalham. Os velhos membros da Cúria. Precisamos deles.
Precisamos do perfil do velho da Cúria. Sobre a resistência, se tem, eu ainda
não vi. É verdade que aconteceram muitas coisas. Mas eu preciso dizer: eu
encontrei ajuda, encontrei pessoas leais. Por exemplo, eu gosto quando alguém me
diz: “eu não estou de acordo”. Esse é um verdadeiro colaborador. Mas quando vejo
alguém que diz: “ah, que belo, que belo”, e depois dizem o contrário por trás,
isso não ajuda.
O mundo mudou, os jovens mudaram. Temos no Brasil muitos jovens, mas
o senhor não falou de aborto, sobre a posição do Vaticano sobre casamento entre
pessoas do mesmo sexo. No Brasil foram aprovadas leis que ampliam os direitos
para estes casamentos, também em relação ao aborto. Por que o senhor não falou
sobre isso?
Papa Francisco – A Igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Eu não
queria voltar sobre isso. Não era necessário, como também não falei sobre outros
assuntos. Eu também não falei sobre o roubo, sobre a mentira. Para isso, a
Igreja tem um doutrina clara. Queria falar de coisas positivas, que abrem
caminho aos jovens. Além disso, os jovens sabem perfeitamente qual a posição da
igreja.
E qual é a do papa?
Papa Francisco – É a da Igreja, sou filho da Igreja.
Qual o sentido mais profundo de se apresentar como o bispo de
Roma?
Papa Francisco – Não se deve andar mais adiante do que o que se fala. O papa
é bispo de Roma e por isso é papa, que é sucessor de Pedro. Pensar que isso quer
dizer que é o primeiro, não é o caso. Não é esse o sentido. O primeiro sentido
do papa é ser o bispo de Roma.
O sr. teve sua primeira experiência de massas no Rio. Como o sr. se
sente como papa? É muito trabalho ?
Papa Francisco – Ser bispo é lindo. O problema é quando um pessoa busca ter
esse trabalho. Assim não é tão belo. Mas quando um senhor chama para ser bispo,
isso é belo. Tem sempre o perigo e pecado de pensar com superioridade, como ser
um príncipe. Mas o trabalho é belo. Ajudar o irmão a ir adiante. Têm o filtro da
estrada. O bispo tem que indicar o caminho. Eu gosto de ser bispo. Em Buenos
Aires, eu era tão feliz. Como padre eu era feliz. Como bispo, eu era feliz e
isso me faz bem.
E como papa?
Papa Francisco – Se você faz o que o Senhor quer, é feliz. Isso é meu
sentimento.
Vimos o sr. cheio de energia e, agora, enquanto o avião se mexe
muito, vemos agora com muita tranquilidade de pé. Fala-se muito das próximas
viagens. O sr. já tem um calendário?
Papa Francisco – Definido, definido não há nada. Mas posso dizer algumas
coisas que estamos pensando. No dia 22 de setembro, Cagliari. Depois, em 4 de
outubro, para Assis. Tenho em mente dentro da Itália ir ver minha família. Pegar
um avião pela manhã e voltar com outro à noite. Meus familiares, pobres, me
ligam. Temos una boa relação com eles. Fora da Itália o patriarca Bartolomeu I
quer fazer um encontro para comemorar os 50 anos do encontro Atenágoras e Paulo
VI em Jerusalém. O governo israelense nos deu um convite especial. O governo da
Autoridade Palestina acredito que fez o mesmo. Isso está sendo pensado. Na
América Latina, acredito que há possibilidades de voltar, porque o papa
latino-americano, que acaba de fazer sua primeira viagem à América
Latina….Adeus! Devemos esperar um pouco. Acredito que se possa ir à Ásia, mas
está tudo no ar. Tive convites para ir ao Sri Lanka e Filipinas. Para a Ásia
precisamos ir. Bento XVI não teve tempo.
E para a Argentina?
Papa Francisco – Isso pode esperar um pouco. As outras viagens têm
prioridade.
No encontro com os argentinos, o sr. disse que se sentia enjaulado.
Por que?
Papa Francisco – Vocês sabem que eu tenho vontade de passear pelas ruas de
Roma? Adoro andar pelas ruas. E por isso me sinto um pouco enjaulado. Mas tenho
que dizer que a Gendarmeria vaticana é boa. Agora me deixam fazer algumas coisas
mais. Mas seu dever é garantir minha segurança. Enjaulado nesse sentido, de que
gostaria de estar nas ruas. Mas entendo que não é possível. Em Buenos Aires, eu
era um sacerdote das ruas.
A Igreja no Brasil está perdendo fiéis. A Renovação Carismática é uma
possibilidade para evitar que eles sigam para as igrejas
pentecostais?
Papa Francisco – É verdade, as estatísticas mostram. Falamos sobre isso ontem
com os bispos brasileiros. E isso é um problema que incomoda os bispos
brasileiros. Eu vou dizer uma coisa: nos anos 1970, início dos 1980, eu não
podia nem vê-los. Uma vez, falando sobre eles, disse a seguinte frase: eles
confundem uma celebração musical com uma escola de samba. Eu me arrependi. Vi
que os movimentos bem assessorados trilharam um bom caminho. Agora, vejo que
esse movimento faz muito bem à Igreja em geral. Em Buenos Aires, eu fazia uma
missa com eles uma vez por ano, na catedral. Vi o bem que eles faziam. Neste
momento da Igreja, creio que os movimentos são necessários. Esses movimentos são
uma graça para a Igreja. A Renovação Carismática não serve apenas para evitar
que alguns sigam os pentecostais. Eles são importantes para a própria Igreja, a
Igreja que se renova.
O senhor disse que está cansado. Há algum tratamento especial neste
voo?
Papa Francisco – Sim, estou cansado. Não há nenhum tratamento especial neste
voo. Na frente, tem uma bela poltrona. Escrevi para dizer que não queria
tratamento especial.
A Igreja sem a mulher perde a fecundidade? Quais as medidas
concretas?
Papa Francisco – Uma Igreja sem as mulheres é como o colégio apostólico sem
Maria. O papal da mulher na igreja não é só maternidade, a mãe da família. É
muito mais forte. A mulher ajuda a Igreja a crescer. E pensar que a Nossa
Senhora é mais importante do que os apóstolos! A Igreja é feminina, esposa, mãe.
O papel da mulher na Igreja não deve ser só o de mãe e com um trabalho limitado.
Não, tem outra coisa. O papa Paulo VI escreveu uma coisa belíssima sobre as
mulheres. Creio que se deva ir adiante esse papel. Não se pode entender uma
Igreja sem uma mulher ativa. Um exemplo histórico: para mim, as mulheres
paraguaias são as mais gloriosas da América Latina. Sobraram, depois da guerra
(1864-1870), oito mulheres para cada homem. E essas mulheres fizeram uma escolha
um pouco difícil. A escolha de ter filhos para salvar a pátria, a cultura, a fé,
a língua. Na Igreja, se deve pensar nas mulheres sob essa perspectiva. Escolhas
de risco, mas como mulher. Acredito que, até agora, não fizemos uma profunda
teologia sobre a mulher. Somente um pouco aqui, um pouco lá. Tem a que faz a
leitura, a presidente da Cáritas, mas há mais o que fazer. É necessário fazer
uma profunda teologia da mulher. Isso é o que eu penso.
O que sr. pensa sobre a ordenação das mulheres?
Papa Francisco – Sobre a ordenação, a Igreja já falou e disse que não. João
Paulo II disse com uma formulação definitiva. Essa porta está fechada. Nossa
Senhora, Maria, é mais importante que os apóstolos. A mulher na Igreja é mais
importante que os bispos e os padres. Acredito que falte uma especificação
teológica.
Queremos saber qual a sua relação de trabalho com Bento XVI, não a
amistosa, a de colaboração. Não houve antes uma circunstância assim. Os contatos
são frequentes?
Papa Francisco – A última vez que houve dois ou três papas, eles não se
falavam. Estavam brigando entre si, para ver quem era o verdadeiro. Eu fiquei
muito feliz quando se tornou papa. Também, quando renunciou, foi, pra mim, um
exemplo muito grande. É um homem de Deus, de reza. Hoje, ele mora no Vaticano.
Alguns me perguntam: como dois papas podem viver no Vaticano? Eu achei uma frase
para explicar isso. É como ter um avô em casa. Um avô sábio. Na família, um avô
é amado, admirado. Ele é um homem com prudência. Eu o convidei para vir comigo
em algumas ocasiões. Ele prefere ficar reservado. Se eu tenho alguma
dificuldade, não entendo alguma coisa, posso ir até ele. Sobre o problema grave
do Vatileaks [vazamento de documentos secretos], ele me disse tudo com
simplicidade. Tem uma coisa que não sei se vocês sabem: em 8 de fevereiro, no
discurso, ele falou: “Entre vocês está o próximo papa. Eu prometo obediência”.
Isso é grande.
Nesta viagem, o sr. falou de misericórdia. Sobre o acesso aos
sacramentos dos divorciados, existe a possibilidade de mudar alguma coisa na
disciplina da Igreja?
Papa Francisco – Essa é uma pergunta que sempre se faz. A misericórdia é
maior do que o exemplo que você deu. Essa mudança de época e também tantos
problemas na Igreja, como alguns testemunhos de alguns padres, problemas de
corrupção, do clericalismo… A Igreja é mãe. Ela cura os feridos. Ela não se
cansa de perdoar. Os divorciados podem fazer a comunhão. Não podem quando estão
na segunda união. Esse problema deve ser estudado pela pastoral matrimonial. Há
15 dias, esteve comigo o secretário do sínodo dos bispos, para discutir o tema
do próximo sínodo. E posso dizer que estamos a caminho de uma pastoral
matrimonial mais profunda. O cardeal Guarantino disse ao meu antecessor que a
metade dos matrimônios é nula. Porque as pessoas se casam sem maturidade ou
porque socialmente devem se casar. Isso também entra na Pastoral do Matrimônio.
A questão da anulação do casamento deve ser revisada. Também é preciso analisar
os problemas judiciais de anular um matrimônio. Porque os…eclesiásticos não
bastam para isso. É complexo o problema da anulação do matrimônio.
Como Papa, o senhor ainda pensa que é um jesuíta?
Papa Francisco – É uma pergunta teológica. Os jesuítas fazem votos de
obedecer ao papa. Mas se o papa se torna um jesuíta, talvez devem fazer votos
gerais dos jesuítas. Eu me sinto jesuíta na minha espiritualidade, a que tenho
no coração. Não mudei de espiritualidade. Sou Francisco franciscano. Me sinto
jesuíta e penso como jesuíta.
Em quatro meses de pontificado, pode nos fazer um pequeno balanço e
dizer o que foi o pior e o melhor de ser papa? O que mais o surpreendeu neste
período?
Papa Francisco – Não sei como responder isso, de verdade. Coisas ruins,
ruins, não aconteceram. Coisas belas, sim. Por exemplo, o encontro com os bispos
italianos, que foi tão bonito. Como bispo da capital da Itália, me senti em casa
com eles. Uma coisa dolorosa foi a visita a Lampedusa, me fez chorar. Me fez
bem. Quando chegam estes barcos (com imigrantes), e que os deixam a algumas
milhas de distância da costa e eles têm que chegar (à costa) sozinhos, isso me
dói porque penso que estas pessoas são vítimas do sistema socioeconômico
mundial. Mas a coisa pior é uma ciática, é verdade, tive isso no primeiro mês. É
verdade! Para uma entrevista, tive que me acomodar numa poltrona e isso me fez
mal, doía muito, não desejo isso a ninguém. O encontro com os seminaristas
religiosos foi belíssimo. Também o encontro com os alunos do colégio jesuíta foi
belíssimo. As pessoas…conheci tantas pessoas boas no Vaticano. Isso é verdade,
eu faço justiça. Tantas pessoas boas, mas boas, boas, boas.
O senhor se assustou quando viu o informe sobre o
Vatileaks?
Papa Francisco – Não. Vou contar uma anedota sobre o informe do Vatileaks.
Quando fui ver o papa Bento, ele disse: aqui está uma caixa com tudo o que
disseram as testemunhas. Havia ainda um envelope com o resumo. E ele sabia tudo
de memória. Mas não, não me assustei. São problemas grandes, mas não me
assustei.
O sr. tem a esperança de que esta viagem ao Brasil contribua para
trazer de volta os fiéis?
Papa Francisco – Uma viagem do papa sempre faz bem. E creio que a viagem ao
Brasil fará bem, não apenas a presença do papa. Esta Jornada da Juventude, eles
(os brasileiros) se mobilizaram e vão ajudar muito a Igreja. Tantos fiéis que
foram se sentem felizes (por terem ido). Acho que vai ser positivo não só pela
viagem, mas pela Jornada, que foi um evento maravilhoso.
Os argentinos se perguntam: o sr. não sente falta de estar em Buenos
Aires, pegar um ônibus?
Papa Francisco – Buenos Aires, sim, sinto falta. Mas é uma saudade
serena.
Hoje os ortodoxos festejam mil anos do cristianismo. Seu
comentário?
Papa Francisco – As igrejas ortodoxas conservaram a liturgia tão bem, no
sentido da adoração. Eles louvam Deus, adoram Deus, cantam Deus. O tempo não
conta. O centro é Deus e isso é uma riqueza. Luz é oriente. E o ocidente, luxos.
O consumismo nos faz tão mal. Quando se lê Dostoievski, que acho que todos nós
devemos ler, precisamos deste ar fresco do Oriente, desta luz do Oriente.
O que o senhor pretende fazer em relação ao monsenhor Ricca (acusado
de ter amantes) e como o sr. pretende enfrentar toda esta questão do lobby
gay?
Papa Francisco – Sobre monsenhor Ricca, fiz o que o direito canônico manda
fazer, que é a investigação prévia. E nesta investigação não tem nada do que o
acusam. Não achamos nada. É a minha resposta. Mas eu gostaria de dizer outra
coisa sobre isso. Vejo que muitas vezes na Igreja se busca os pecados de
juventude, por exemplo. Abuso de menores é diferente. Mas, se uma pessoa, seja
laica ou padre ou freira, pecou e esconde, o Senhor perdoa. Quando o Senhor
perdoa, o Senhor esquece. E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos
confessar e nós dizemos que pecamos, o Senhor esquece e nós não temos o direito
de não esquecer. Isso é um perigo. O que é importante é uma teologia do pecado.
Tantas vezes penso em São Pedro, que cometeu tantos pecados e venerava Cristo. E
este pecador foi transformado em papa. Neste caso, nós tivemos uma rápida
investigação e não encontramos nada.
Vocês vêm muita coisa escrita sobre o lobby gay. Eu ainda não vi ninguém no
Vaticano com uma carteira de identidade do Vaticano dizendo que é gay. Dizem que
há alguns. Acho que quando alguém se vê com uma pessoa assim devemos distinguir
entre o fato de que uma pessoa é gay e fazer um lobby gay, porque todos os
lobbies não são bons. Isso é o que é ruim. Se uma pessoa é gay e procura Deus e
tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, pra julgá-la ? O catecismo da Igreja
Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por
causa disso, mas devem ser integrados na sociedade. O problema não é ter essa
tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é fazer lobby, o lobby dos
avaros, o lobby dos políticos, o lobby dos maçons, tantos lobbies. Esse é o pior
problema.